(…) ao falarmos de poesia podemos dizer que a poesia não faz o que pensava Stevenson – a poesia não tenta pegar numa porção de moedas lógicas e transformá-las por magia. Pelo contrário, devolve a linguagem à sua fonte. Lembrem-se de que Alfred North Whithead escreveu que entre as muitas falácias há a falácia do dicionário perfeito – a falácia de pensar que para cada percepção dos sentidos, para cada afirmação, para cada ideia abstracta se pode encontrar um equivalente, um símbolo exacto no dicionário. E o próprio facto de as línguas serem diferentes faz-nos suspeitar que isso não é assim.
Por exemplo, em inglês ( ou melhor, ente os Escoceses) temos palavras como «eerie» e «uncanny». Estas palavras não se encontram noutras línguas. (Bem, claro que temos o alemão unheimlich.) Porque é assim?
Porque as pessoas que falavam outras línguas não tiveram necessidade destas palavras – suponho que uma nação desenvolve as palavras de que precisa. Esta observação, feita por Chesterton (penso que no seu livro sobre Watts), equivale a dizer que a língua não é, como o dicionário nos leva a crer, invenção de académicos ou filólogos. Pelo contrário, foi desenvolvida ao longo do tempo, durante muito tempo por camponeses, pescadores, caçadores, cavaleiros. Não veio das bibliotecas, veio dos campos, do mar, dos rios, da noite, da madrugada.
Portanto, temos na língua o facto (e isto parece-me óbvio) de as palavras terem começado, em certo sentido, como magia. Talvez tenha havido um tempo em que a palavra «luz» parecia luminosa e a palavra «noite» parecia escura. No caso «noite» podemos supor que serviu primeiro para a própria noite – para as suas trevas, as suas ameaças, para as estrelas brilhantes. Depois, passado muito tempo, chegámos ao sentido abstracto da palavra «noite» – o período entre a hora do corvo (como dizem os hebreus) e a hora do pombo, o princípio do dia.
Já que falei de hebreus, podemos encontrar mais um exemplo no misticismo judaico, na Cabala. Para os Judeus, parecia óbvio haver um poder nas palavras. É esta a ideia por trás de todas essas histórias de talismãs, de Abracadabras – histórias que encontramos nas Mil e Uma Noites. Liam no primeiro capítulo da Torah:«Deus disse, “Faça-se luz” e fez-se luz.» Por isso parecia-lhes óbvio que a palavra «luz» dispõe de força suficiente para engendrar, para criar luz. (pp. 92-94)
Este Ofício de Poeta, Teorema, 2002