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EDUARDO LOURENÇO – (…) Muito cedo comecei a viver com a mediação de livros; praticamente desde que comecei a escrever nunca mais estive sozinho. Nós nunca estamos sozinhos, porque como dizia Platão: “Nós somos diálogo.”. Mesmo quando não temos outro com quem conversar, estamos conversando connosco próprios. De maneira que todas as minhas experiências são em segundo grau. Eu tenho pouco sentido do real, no sentido forte do termo, das coisas que contam e que, sobretudo, deixam marcas muito fundas. Provavelmente a escrita também serve para isso; serve para que a realidade não nos destrua pela sua violência, quer pela sua violência positiva – porque há violências positivas, como a luz do sol demasiado forte ou uma tempestade -, mas também para que nós possamos constituir uma espécie de espaço de liberdade que nos dê o sentimento que não somos uma marionete da vida; somos responsáveis por aquilo que vivemos e por aquilo que nos faz viver.
JORNAL DO FUNDÃO – Sei que nesta sua passagem pela região esteve em São Pedro do Rio Seco [a sua aldeia-natal, no distrito da Guarda]…
… Sim, sim. Uma experiência muito curiosa, sabe…Os franceses têm uma expressão que designa uma ferida que fica no coração. Chegar a uma aldeia que, provavelmente, nunca esteve mais bonita do que está agora – fiquei admirado porque as casas têm flores à porta, que não era costume. Até porque no meu tempo de criança, as pessoas estavam sempre empregadas em alguma coisa. Agora, aquela gente está toda aposentada, não da vida, mas daquilo que os fazia viver. Curiosamente, vi lá um espetáculo que nunca tinha visto, que era o de várias pessoas a compor tratores. Pensei que, de repente, – desta vez sem literatura e sem metáforas – o meu S. Pedro tinha passado a ser um Paris-Texas.

Jornal do Fundão, 13 de Junho de 2013